Este é um pequeno texto de 2005. Reflete em parte um desejo meu. Pode parecer um pouco triste mas eu acho bonito pois me dá a esperança de uma vida bem vivida e da consciência do reencontro e da fatal dissolução. Me traz uma ansia pelo infinito e pelos grandes mistérios de nossa condição. Veja o que vocês acham...
Dissoluto
Então ele parou de mastigar aquele pedaço de carne e olhou ao redor. As crianças correndo pela sala, os seus pais conversando, a casa, a mesa com os restos do almoço e ele sentado nesta mesma mesa olhando para todos. A luz do sol iluminava um vasinho de flores.
Aos poucos se fez silêncio e tudo se dissolveu diante de seus olhos. Quando percebeu, estava todo arrumado e perfumado diante do portão da casa dela. Alguém espiou entre as cortinas da janela mas ele não viu quem era. As mãos suavam e as pernas fraquejaram quando a viu. O vento de outuno ainda era um bafo quente no final da tarde. Iriam ver um filme.
Naquele momento teve a improvavel certeza do que ainda não vivera antes. Não lhe importava mais o que viesse desde que fosse ao lado daquela mulher. Os melhores e os piores momentos passaram todos pelos seus olhos. As mortes, os nascimentos, os medos, o carinho, o amor, os erros e os acertos compartilhados e vividos intensamente.
Subitamente ouviu alguns risos e encontrou novamente aquelas pessoas na sala. Olhou para todos e não soube mais porque estava ali. Percebeu então a separação e quis partir e desejou se dissolver novamente com ela.
Desta vez, para todo o sempre.