Discussões

Muitas vezes me envolvi em discussões que não resultaram em nenhum proveito para ninguém. Hoje, busco me envolver cada vez menos nisto. São discussões pouco objetivas e muitas vezes os ânimos são acirrados e as pessoas saem magoadas. Muitas vezes acabei falando coisas e assumindo posições com que nem concordo.

Algumas vezes é melhor perder a discussão e manter os afetos. Outras vezes é melhor calar, ir para o cantinho e ruminar nossa magoa. Porque toda magoa é uma experiência subjetiva. O que não me diz respeito não me afeta.

Além do mais, se realmente estamos certos sob determinado assunto, porque nos importarmos em fazer o outro concordar? Se não estamos certos, podemos rever nossa posição. E se nenhuma das posições está certa? E se ambas estão?

Ninguém é perfeito.

Dizemos isto para lembrar que todos podemos errar, todos podemos falhar. O difícil é lembrar quando nos sentimos agredidos ou confrontados. O mais difícil da condição humana é viver com o fato de que "temos costas". Não vemos o que se passa atrás. Se é que vemos até o que se passa na frente.

Querer provar que estamos certos, mesmo sobre nós mesmos é querer impor uma opinião. Se estamos certos, a vida dará seu testemunho na hora certa. E se não der, a verdade é que muito pouco podemos fazer.

Então para que se debater?

Manhã com o amigo Drummond

Acordar, viver

Como acordar sem sofrimento?
Recomeçar sem horror?
O sono transportou-me
àquele reino onde não existe vida
e eu quedo inerte sem paixão.

Como repetir, dia seguinte após dia seguinte,
a fábula inconclusa,
suportar a semelhança das coisas ásperas
de amanhã com as coisas ásperas de hoje?

Como proteger-me das feridas
que rasga em mim o acontecimento,
qualquer acontecimento
que lembra a Terra e sua púrpura
demente?
E mais aquela ferida que me inflijo
a cada hora, algoz
do inocente que não sou?

Ninguém responde, a vida é pétrea.

Não passou

Passou?
Minúsculas eternidades
deglutidas por mínimos relógios
ressoam na mente cavernosa.

Não, ninguém morreu, ninguém foi infeliz.
A mão- a tua mão, nossas mãos-
rugosas, têm o antigo calor
de quando éramos vivos. Éramos?

Hoje somos mais vivos do que nunca.
Mentira, estarmos sós.
Nada, que eu sinta, passa realmente.
É tudo ilusão de ter passado.

O mundo é grande

O mundo é grande e cabe
nesta janela sobre o mar.
O mar é grande e cabe
na cama e no colchão de amar.
O amor é grande e cabe
no breve espaço de beijar.

Carlos Drummond de Andrade

Lembranças

Me lembrei hoje de uma senhora que conheci numa casa de repouso que eu costumava visitar. Esta senhora aposentada, fora auditora do tesouro federal, casara e criara suas duas filhas. O lugar era bem cuidado como ela também. Tinha boa comida, abrigo e a atenção das enfermeiras bem pagas e vestidas em seus uniformes impecáveis.

Me lembro em especial de um dia em que esta senhora nos disse de como gostava de nos ver lá. Ela tinha um problema de saúde que realmente tornava difícil para qualquer um estar ao lado dela sem bastante esforço. Não vou descrever o problema porque não quero agredir ninguém. Basta que entendam que realmente devia ser muito difícil para as filhas dela. Ela era uma pessoa inteligente e bem humorada mas nos confessou que se sentia muito só porque as filhas dela não a visitavam com frequencia e não tinha o convívio com a família.

Também me contou contente que já tinha um neto mas que ainda não o conhecia. O garoto já tinha alguns anos... Ela também me disse, quase que como um aviso - "Ainda bem que não dependo de minhas filhas e tenho minha aposentadoria para poder pagar esta casa!".

Nunca me esqueci disto e principalmente nos últimos dias de vida de minha avó. Ela morreu em um hospital público. Nos seus últimos dias quando não estava no leito ou nos corredores do hospital, vivia em casa sob os cuidados das filhas.

Ela também teve vários problemas de saúde e também era difícil estar com ela. Infelizmente ela só recebia uma pensão de meu avô que morreu bem cedo: um salário mínimo. A vida nunca lhe facilitou as coisas, desde menina pelo que sei foi assim. Tudo certo, afinal sabemos todos que só à poucos a vida passa sem dificuldades.

Tenho quase que certeza de que quase tudo que ela mais quis na vida foi poder ver os filhos e netos crescidos e felizes. Me lembro de quando ela pagou uma promessa que fizera se estivesse viva quando eu fizesse quinze anos. Achava que ia morrer antes... E a velha ainda viu todos os netos!

Minha avó viveu do modo que pode e sabia, não teve toda a assistência de que precisou e nos últimos dias viveu na total dependência dos outros.

Sentimos falta da Dona Margarida. Sinto sua falta agora mas quando me vieram estas lembranças, voltei a sentir sua presença e percebi como dependo dos outros.

E isto é bom.

If - Se

Atualizei o post If com uma tradução de Guilherme Almeida.

Sobre a condição humana

Eu gosto muito de uma imagem que criei nos úlgimos anos e que procuro ter sempre em mente. Somos como cegos andando por uma grande floresta.



Submetidos à esta cegueira nem sempre percebemos nossa condição e como somos fracos e limtados. Andamos em círculos, tropeçamos nas pedras, raízes e troncos. Sentimos fome, sede, frio, calor e tentamos nos manter vivos.



Muitos andam acreditando que devem ir para lá ou para cá. Buscam encontrar pessoas com que sonham, lugares e coisas. Alguns vão juntando o que recolhem na jornada.



Algumas vezes, tropeçam e perdem tudo. Algumas vezes precisam deixar algo para trás.



Algumas vezes esbarramos um nos outros. E para alguns isto é muito inconveniente porque atrapalha suas buscas, então desviam e seguem atentos com medo...



Outros não aprenderam e andam de braços abertos e de mãos vazias...



E quando encontram alguém, naturalmente, abraçam! E quando este alguém também está de mãos vazias e braços abertos... Ah! Ficam muito contentes e celebram!



Destes grandes encontros de braços abertos na escuridão alguns seguem de mãos dadas.



São raros estes encontros e nem sempre podemos seguir com as pessoas que encontramos porém, no mínimo, sempre são inesquecíveis porque são da ordem do que nos traz vida.



Então procuro lembrar que estamos nesta floresta para os encontros. Só para isto.



Todo o resto é apenas o cenário desta tragédia em que brincamos ora como atores, ora como espectadores.

IF

IF you can keep your head when all about you
Are losing theirs and blaming it on you,
If you can trust yourself when all men doubt you,
But make allowance for their doubting too;
If you can wait and not be tired by waiting,
Or being lied about, don't deal in lies,
Or being hated, don't give way to hating,
And yet don't look too good, nor talk too wise:

If you can dream - and not make dreams your master;
If you can think - and not make thoughts your aim;
If you can meet with Triumph and Disaster
And treat those two impostors just the same;
If you can bear to hear the truth you've spoken
Twisted by knaves to make a trap for fools,
Or watch the things you gave your life to, broken,
And stoop and build 'em up with worn-out tools:

If you can make one heap of all your winnings
And risk it on one turn of pitch-and-toss,
And lose, and start again at your beginnings
And never breathe a word about your loss;
If you can force your heart and nerve and sinew
To serve your turn long after they are gone,
And so hold on when there is nothing in you
Except the Will which says to them: 'Hold on!'

If you can talk with crowds and keep your virtue,
' Or walk with Kings - nor lose the common touch,
if neither foes nor loving friends can hurt you,
If all men count with you, but none too much;
If you can fill the unforgiving minute
With sixty seconds' worth of distance run,
Yours is the Earth and everything that's in it,
And - which is more - you'll be a Man, my son!

Rudyard Kipling (1865-1936), escritor britânico autor de várias obras e agraciado em 1907 com o Nobel de Literatura "em consideração ao seu poder de observação, criatividade, virilidade e talento memorável para as narrativas que caracterizam as criações deste autor mundialmente conhecido."

Segue uma tradução de Guilherme Almeida

Se

Se és capaz de manter a tua calma quando todo o mundo ao teu redor já a perdeu e te culpa;

Se és capaz de crer em ti quando estão todos duvidando, e para esses no entanto achar uma desculpa;

Se és capaz de esperar sem te desesperares, ou, enganado, não mentir ao mentiroso, ou, sendo odiado, sempre ao ódio te esquivares, e não parecer bom demais, nem pretensioso;

Se és capaz de sonhar sem sem se tornar um sonhador

Se és capaz de pensar sem que a isso só te atires;

Se encontrando a desgraça e o triunfo conseguires tratar da mesma forma a esses dois impostores;

Se és capaz de sofrer a dor de ver mudadas em armadilhas as verdades que disseste, e as coisas, pôr que deste a vida, estraçalhadas, e refazê-las com o bem pouco que te reste;

Se és capaz de arriscar numa única parada tudo quanto ganhaste em toda a tua vida,

E perder e, ao perder, sem nunca dizer nada, resignado, tornar ao ponto de partida;

Se és capaz de forçar coração, nervos, músculos, tudo a dar seja o que for que neles ainda existe, e a persistir assim quando, exaustos, contudo resta a vontade em ti que ainda ordena: "Persiste!";

Se és capaz de, entre a plebe, não te corromperes e, entre reis, não perder a naturalidade

Se entre amigos, quer bons, quer maus, te defenderes,

Se a todos podes ser de alguma utilidade,

Se és capaz de dar, segundo pôr segundo, Ao mínimo fatal todo o valor e brilho,

Tua é a terra com tudo o que existe no mundo

E o que mais, tu serás um homem, ó meu filho!

[Rudyard Kipling - Tradução de Guilherme Almeida]



O poema acima é de 1910 e também tem um significado especial para mim. Fica aqui uma pequena homenagem ao homem que me ajudou um pouquinho a ser quem sou mesmo tendo vivido dezenas de anos antes.

Uma obra de Kipling que gosto bastante é "Kim". Outra obra mais conhecida mas que não li é "The Jungle Book" (O Livro da Selva) e que Walt Disney levou para o cinemas com o título no Brasil de "Mogli o menino Lobo".

Espero que todos nós tenhamos uma ótima semana, apesar de todas as dificuldades que possamos ter agora e sempre!

Versos em branco



Deixo nesta folha a vontade
Da poesia que nunca fiz
E que tão lida e relida
Existe mais que qualquer uma.

Uma poesia sem rima,
Ritmo, ou sentido.
Vazia e clara como um céu de primavera,
Mesmo que existam nuvens.

Uma poesia
falando dos sonhos
Falando do amor
Das distâncias e dos encontros.

Falando da tristeza daqueles
Que já não podem mais amar.

Cantando a beleza da vida
Dos que se lançam na arte de se dar.

Um poema que conte a vida dos bardos,
suas dores e vôos pelo infinito
Um poema que conte a sujeira da vida,
A nojeira e a grandeza das pessoas.

Versos que todos os dias dão a volta ao mundo,
Rápidos como beijo roubado,
E sempre com o mesmo cuidado.

E pousem, silenciosamente,
No alto de uma catedral,
Observando cidades, campos e mares
Tão cheios de amor e satisfação,
Que não caberiam nestas linhas.

Junho de 1986

Rotina

Acordar de um sonho (ou pesadelo?) que se dissipa nos primeiros minutos. Algo que se converte em pensamentos, lembranças e emoções, sentimentos e humores. Tudo misturado. Me sinto triste e sem ânimo de sair da cama. Deve ser apenas cansaço. Preciso pensar em coisas boas.

Algumas horas depois levanto sentindo o peso do corpo e vou até o banheiro e se inicia uma série de movimentos automáticos: escovar os dentes, barbear, banhar, vestir, arrumar as coisas na maleta, sair, cumprimentar os vizinhos, dirigir, estacionar, sentar, ler os emails, responder emails, verificar os casos, ligações, café da máquina, sentar de novo e continuar o trabalho...

Me rendo agora: sinto saudades, muita vontade de lhe falar, saber de seu dia, de seus dias, de seus meses... Sinto saudade de seus beijos, seus abraços, seu corpo... Saudades de seus cuidados, saudades de seu sorriso e de seu olhar.

Nada disto, nunca mais.

O bom se mistura com o ruim aqui dentro mas preciso continuar... Dar um passo de cada vez: andar sem olhar para trás ou para dentro. O que me resgata e me salva são as pessoas, o trabalho e o que gosto.

Hora do almoço.

In memorian: Carlos Drummond de Andrade

Carlos Drummond de Andrade
* 31/10/1902 + 17/08/1987



Mãos dadas

Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considere a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história.
Não direi suspiros ao anoitecer, a paisagem vista na janela.
Não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida.
Não fugirei para ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.



José

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, Você?
Você que é sem nome,
que zomba dos outros,
Você que faz versos,
que ama, proptesta?
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio, - e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse,
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você consasse,
se você morresse....
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja do galope,
você marcha, José!
José, para onde?

Reflexão para os tolos: Epílogos

Para ser lido pelos tolos que:

1. Ainda acreditam que estamos caminhando para uma sociedade melhor, com progresso e justiça para todos.

2. Ainda acreditam que alguns povos e países são mais desenvolvidos porque tem povos mais educados e preparados.

3. Ainda acreditam que isto tudo não tem nada a ver com eles mesmos, suas escolhas e atitudes do dia-a-dia.

Recomendo para estes, um poema de Gregório de Matos escrito lá pelos idos de 1600 que mostra claramente que pouca coisa mudou, muito pouca cousa!

Este POST não tem imagens mas se sentes falta é simples: abra as páginas dos noticiários dos últimos meses e releia vendo as imagens. Tenho certeza de que vai encontrar tudo que precisar em abundância. Eu estou farto.


Epílogos

Que falta nesta cidade?................Verdade
Que mais por sua desonra?..............Honra
Falta mais que se lhe ponha............Vergonha.

O demo a viver se exponha,
Por mais que a fama a exalta,
numa cidade, onde falta
Verdade, Honra, Vergonha.

Quem a pôs neste socrócio?.............Negócio
Quem causa tal perdição?...............Ambição
E o maior desta loucura?...............Usura.

Notável desventura
de um povo néscio, e sandeu,
que não sabe, que o perdeu
Negócio, Ambição, Usura.

Quais são os seus doces objetos?.......Pretos
Tem outros bens mais maciços?..........Mestiços
Quais destes lhe são mais gratos?......Mulatos.

Dou ao demo os insensatos,
dou ao demo a gente asnal,
que estima por cabedal
Pretos, Mestiços, Mulatos.

Quem faz os círios mesquinhos?.........Meirinhos
Quem faz as farinhas tardas?...........Guardas
Quem as tem nos aposentos?.............Sargentos.

Os círios lá vêm aos centos,
e a terra fica esfaimando,
porque os vão atravessando
Meirinhos, Guardas, Sargentos.

E que justiça a resguarda?.............Bastarda
É grátis distribuída?..................Vendida
Que tem, que a todos assusta?..........Injusta.

Valha-nos Deus, o que custa,
o que El-Rei nos dá de graça,
que anda a justiça na praça
Bastarda, Vendida, Injusta.


Que vai pela clerezia?.................Simonia
E pelos membros da Igreja?.............Inveja
Cuidei, que mais se lhe punha?.........Unha.

Sazonada caramunha!
enfim que na Santa Sé
o que se pratica, é
Simonia, Inveja, Unha.

E nos frades há manqueiras?............Freiras
Em que ocupam os serões?...............Sermões
Não se ocupam em disputas?.............Putas.

Com palavras dissolutas
me concluís na verdade,
que as lidas todas de um Frade
são Freiras, Sermões, e Putas.

O açúcar já se acabou?.................Baixou
E o dinheiro se extinguiu?.............Subiu
Logo já convalesceu?...................Morreu.

À Bahia aconteceu
o que a um doente acontece,
cai na cama, o mal lhe cresce,
Baixou, Subiu, e Morreu.

A Câmara não acode?....................Não pode
Pois não tem todo o poder?.............Não quer
É que o governo a convence?............Não vence.

Que haverá que tal pense,
que uma Câmara tão nobre
por ver-se mísera, e pobre
Não pode, não quer, não vence.

Gregório de Matos


Digam aos tolos para não esquecerem: não devem apontar o dedo sujo para o nariz do outro porque tudo que está lá fora está dentro de cada um de nós também.

A vida começa em cada um de nós.