Hoje tive uma experiência que me fez recordar muitas coisas. Vou escrever tudo buscando dar um sentido talvez.
Sou católico, ou era... Não sei mais. Fiz esta opção já adulto. Até minha conversão simpatizava com várias crenças e muitas vezes me considerei ateu. Vivia a vida sem sentido. Esta conversão se deu aos poucos nas missas dominicais em que eu ia acompanhando minha namorada que se tornou depois minha esposa.
Esta conversão se deu por uma nova visão de Jesus e da palavra de Deus com que tomei contato ao longo de vários anos através dos padres da congregação dos Sagrados Corações. Em especial através das homilias do saudoso padre João. Para mim ficou dele a imagem destes poucos que por todo o ser transbordam vida, amor, a simplicidade de quem vive no transcendente e nos mistérios.
Cativado, desencavei uma velha catequese, reli mas as palavras agora tinham a luz do Padre João. Me entreguei, fiz a preparação na catequese para adultos, recebi o Sacramento Eucarístico e depois o Sacramento do Matrimônio. Foi um casamento muito bonito na comunidade celebrado pelo também querido Padre Lorenzo, como eu acho que deveriam ser todos os casamentos. Na época eu tinha quase 30 anos.
Eu já estava engajado na pastoral da juventude e passei a participar das liturgias, encontros e atividades da paróquia. Conheci então os caminhos da espiritualidade e me abri para uma outra experiência de fé, para a experiência das orações, meditações e contemplações e se deu aos poucos uma mudança em meu ser. Ao mesmo tempo procurava conhecer melhor as escrituras, as liturgias, o catecismo e a vida dos santos.
Logo me dei conta de que a Igreja não era e nunca foi tão una e quanto mais eu me aproximava de Jesus mais estranhas e incoerentes me pareciam algumas práticas de alguns fieis e sacerdotes assim como algumas doutrinas e orientações.
Procurei nas confissões com o também querido Padre Vicente e percebi minha arrogância e orgulho. Rezei e orei, busquei ajuda para minhas inquietações nas confissões e nos aconselhamentos espirituais. Procurei deixar de lado as idéias de justiça social e compreender o mistério da Igreja humana e divina mas que era sobretudo parte do Corpo Místico. Descobri que a fé não existe sem a dúvida como uma escolha livre.
Não foi fácil porque minha experiência na comunidade era outra. Via egoísmo, disputas de poder e controle, falta de fé, falta de amor e de comunhão, falta de compromisso, tolerância com os pobres de espírito e intolerãncia com os pobres de recursos, com os doentes e com os fracos.
Ah! Haviam tantas perturbações... E as respostas eram vagas e as minhas perguntas tão incovenientes! Algumas vezes descobri que aqueles a quem eu perguntava se deparavam com as mesmas questões. Isto pelo menos me deu ânimo. O pior eram os cegos e mediocres!
Não perdi a fé nos sacramentos, não perdi a fé nas escrituras, não perdi a fé na Santíssima Trindade e nem perdi a fé nas dezenas de pessoas que conheci que lutavam diariamente renovando sua fé apesar do humano e do pecador desta Igreja que os acolhia e muitas vezes os oprimia.
Mesmo assim segui e me deparei com minhas perturbações. Nada do que está no mundo nos é estranho. Assim não foi comigo. E comecei então a questionar minha fé e meu compromisso com a Verdade, com o seguimento do Mestre.
Acho que neste ponto foi quando me senti fraco e longe do Cristo. Quanto mais eu orava e via Ele mais eu percebia como estava longe e como havia uma grande escuridão na minha alma. Busquei ajuda mas sem grande esforço.
A família, o trabalho e tudo ao meu redor me pressionavam em outra direção oposta ao seguimento da Palavra. Senti medo e me vi só. Então me afastei aos poucos, sei que perdi o alimento e fui enredado no círculo vicioso dos pecados até me perder completamente.
Deixei meus valores de lado pelos valores do mundo. Me seduzi pelas ilusões do mundo, pelo poder, pelas falsas seguranças, pelo pensamento cartesiano e pelos valores racionais e objetivos. Me separei do que não se vê com os olhos, dopei meus sentidos, mergulhei em erros e ilusões, magoei pessoas queridas e fui me perdendo.
Depois de alguns anos, estava divorciado, perdido, confuso e inquieto. Retomei então aos poucos minha busca. A única luz e sentido na minha vida eram meus filhos. Além deles nada mais tinha sentido e nada me alimentava.
Tudo ao meu redor contribuia para manter minha inércia mas apesar de tudo pude reencontrar meu caminho. Os erros e os pecados ainda estavam presentes mas eu fui pouco a pouco buscando sair daquela escuridão.
Retomei minha jornada interrompida com as incertezas e dificuldades que lhe são próprias sem ver luz pela frente ou atrás mas guiado pelos meus valores e por uma fé inabalável de que aquele era o meu caminho, de que eu precisva fazer isto pelo menos pelos meus filhos e de que talvez eu pudesse ter ao final, o Perdão e a Misericórdia.
Foram valiosas as minhas experiências de fé anteriores muito mais do que todo o conhecimento obtido até então. Os livros na estante pois eu sabia que na escuridão não me serviam de nada. Também foram valiosas algumas pessoas que se aproximaram.
Uma vez eu falei em uma palestra para os jovens sobre Deus e de como Seus planos estão muito além de nosso parco entendimento. Ah! Tantas vezes depois me recordei desta palestra! Eu achava que sabia alguma coisa...
Ainda na escuridão, só e lutando contra minhas fraquezas e as ilusões, vejo hoje que nunca fui abandonado. Sei hoje que esta como tantas outras são experiências que não se transmitem com palavras nem chegam por nossa vontade mas por uma entrega e um esforço o que é paradoxal.
Chamo de Deus, outros falam do universo, do Tao e tantos outros nomes mas vejo hoje que existe algo além do que vemos e percebemos com os sentidos limitados e embotados que temos hoje. Este que é meu Deus me abre novos caminhos todo dia e me estimula mesmo que eu me perca. Ele me desviou de tantos perigos de que só tenho conta hoje e provavelmente muitos outros de que nem tenho conta hoje.
Finalmente começo a ver um pouco de luz. Sinto novamente o Calor e o Amor agindo em minha vida.
Chego ao inicio do relato desta experiência de hoje quando tive vontade de me confessar a um bom padre, de assistir a uma missa e de comungar novamente. Não por qualquer dos meus pecados que não são poucos mas por um desejo de comungar no Corpo e no Sangue. Porém me dei conta de que estou impedido justamente por minha fé, pelos meus princípios e pelo que sou.
Na ilusão do raciocinio penso em contornar e resolver. Porém logo sou chamado para a verdade e percebo que não poderia negar minha escolha pelo matrimônio alegando inconsciência ou qualquer outro motivo. Tão pouco poderia continuar casado sendo quem sou sem dar um testemunho de uma vida mediocre e distante da vida Plena que desejo e creio ser possível.
Então, chorei como um menino... Um triste lamento que me veio do fundo da alma. Passado o choro senti um grande abraço e parece que vi todo o sorriso de um Irmão que é meu Mestre e meu Deus. Era um sorriso tão bonito que me fez sorrir...
Percebi novamente que está tudo certo.